A musca depicta do retrato de Dona Catarina de Áustria e o pintor António Moro. Grada 126. A fronteira

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Francisco Bilou

O pintor António Moro, flamengo de nação, foi um dos retratistas mais afamados que serviu as casas reais de Portugal e Espanha na segunda metade do século XVI. Chegou à corte espanhola por mão de António Perrenot (1517-1586), um dos principais conselheiros artísticos dos Habsburgo. De resto, a sua fama de retratista está bem documentada nos encómios de grandes figuras da época, na qualidade da obra pictórica que produziu e no estatuto da sua oficina, onde passaria o pintor espanhol Alonso Sánchez Coello (1531-1588), provindo, aliás, da corte portuguesa onde se iniciara na arte da pintura.

Além da conhecida presença de Moro no final do ano de 1549 em Saragoça, sabe-se documentalmente que Maria da Hungria (irmã de Dona Catarina) enviou o célebre pintor flamengo às duas cortes peninsulares a retratar a família real espanhola e portuguesa entre os anos de 1550 a 1553. E ao certo sabe-se que pelo menos a partir de março de 1552 o pintor falmengo esteve ocupado numa longa empreitada retratista na corte portuguesa.

Em setembro desse mesmo ano, Dona Catarina mandava dar pelo seu tesoureiro 500 cruzados ao pintor António Moro, verba correspondente ao pagamento dos retratos reais, seu e do seu esposo, espécie de modelo pictórico da dignitas com que os titulares das casas reinantes ibéricas se faziam então representar.

Há, de resto, como não o sublinhar, uma atmosfera de latente ‘intimidade’ na representação desta mulher de 45 anos, assaltada permanentemente pela morte prematura de seus filhos, nove no total, a maioria falecida com tenra idade (em 1552 só um se mantinha vivo, facto que pode justificar a presença de oito anéis iguais nas suas mãos). À robusta presença física da retratada, o pintor apõe um olhar frágil e sofrido, uma boca carnuda (típica dos Habsburgo) em leve sorriso forçado. A fragilidade carnal que se esconde no austero negro dos brocados e nos tons pardacentos do cetim é sublinhada no lenço alvo de renda, a que corresponde, aliás, na cor e na simbolismo premonitório, uma carta fechada sobre a mesa. E é justamente sobre este lenço alvo de renda que está pousada uma mosca, licença criativa só consentida aos melhores mestres pintores. Este elemento estranho ao aparato do retrato foi decerto pintado com a anuência explícita de Dona Catarina.

Esta musca depicta, assim se convencionou chamar, elemento nada incomum na melhor retratística da época, é, pois, a um tempo como que uma certidão da maestria ilusória do pintor, a outro uma representação de um momento mori, isto é, de uma ‘memória da morte’, que suja inesperadamente o mais puro tecido, mesmo o de um lenço rendado de uma rainha. Metáfora que a mais ninguém poderia corresponder melhor.

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A musca depicta do retrato de Dona Catarina de Áustria e o pintor António Moro. Grada 126. A fronteira
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A musca depicta do retrato de Dona Catarina de Áustria e o pintor António Moro. Grada 126. A fronteira
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