Francisco Bilou
Dos muitos episódios militares sequentes a 1640, no que se convencionou chamar em Portugal a Guerra da Restauração (1641-1668), aqui se publica uma resumida notícia colhida num manuscrito da Biblioteca Nacional de Espanha. Duas notas ressaltam da sua leitura: a impreparação militar para responder a uma defesa efectiva da cidade; a importância do arcebispado de Évora na gestão do conflito bélico, ao ponto, como se sabe de outra documentação, o próprio Arcebispo ter “a mesma jurisdição que o Governador de Armas nas fortificaçõens das mais praças”:
“Sesta feira 29 de setembro de (1)645 dia de S. Miguel pouco depois do meo dia chegou recado ao capitão mor Luis de Miranda de João de Mira lavrador capitão do campo da freguesia de S. Vicente [de Valongo] que (n)aquella manham vinha entrando grande poder de gente castelhana tanto auante que entendeo que marchaua pera esta cidade. Mandou logo o Capitão Mor chamar o Sargento Mor que viesse correndo a casa do Chantre [Manuel Severim de Faria] para que mandasse picar o relogio a rebate e fizesse fechar todas as portas da cidade tirando a de Alconchel e tocarem caixa todas as companhias; fez se tudo com muita deligencia cerrandose as portas das estacadas que algumas estavão no chão. Acodirão a cata do Capitão Mor todos os officiais e o Capitão Luis da Sylva de Vasconcellos hia correndo pella cidade a cauallo disendo Arma Senhores Arma o que causou grande perturbação nas molheres leuantando a esta voz seus choros e gritos. Levouse o recado ao cabido porque o Senhor Chantre estaua na cama sangrando naquella manham presidindo o Thesoureiro mor Dom Verissimo e se mandou logo a todos os clerigos da cidade que tomassem armas e mandarão recado a todos os conventos de Religiosos para que estiuessem prestes. O primeiro de todos que se foi offerecer ao capitão mor foi Dom Rodrigo de Mello Arcediago e Conego da see com 24 criados armados; o mesmo fez Dom Th(e)otonio Manoel e Dom Verissimo a que se seguio huma numerosa companhia de clerigos que leuauão por capitão o Mestr’escola Duarte de Vasconcellos com hum arcabus as costas e os mais todos armados com mosquetes e espingardas. O mesmo fizerão todos os fidalgos da terra (…) e toda a nobresa da cidade. Foi gente tanta que se puserão sobre os muros, porem contentou se o capitão mor em mandar occupar a praça com hum grande corpo de guarda e em cada porta da cidade outro, e pellos muros em cada ponta do lanço hum soldado de uigia. Com o repique do relogio acodio muita parte da gente que andaua na uindima ao longo da cidade, e trouxerão consigo o gado que tinhão. A gente de cauallo se ajuntou tambem na praça com seu capitão João Macedo, não chegarão a (um) cento, delles escolheo o capitão mor huma tropa de uinte e cinco que com o mesmo João de Macedo mandou que fossem pello caminho de Montouto por onde diziam que o inimigo vinha (…). Estando todas as cousas neste estado chegou um correo de Elvas que mandaua o Conde general ao capitão mor pedindo lhe cavalgaduras de carga pera a bagaje do nosso exercito em caso que o inimigo sahisse de Badajos donde ate então não tinha partido. Veyo este correo por Villauiçosa e pello Redondo e chegou a cidade as quatro horas sem em todo o caminho achar noua, nem rumor algum da entrada dos inimigos por onde se entendeo que o lavrador João de Mira se enganou em cuidar que marchauão os castelhanos pella terra dentro. (Biblioteca Nacional de España, BDH, ‘Relações manuscritas de Portugal desde o ano de 1643 até 1646’, Mss/8187, fls. 42-43).
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