João de Sá Panasco, o escravo negro que foi cavaleiro. Grada 130. A Fronteira

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João de Sá Panasco, o escravo negro que foi cavaleiro. Grada 130. A Fronteira

Francisco Bilou

“Gostava muito el-rei D. João III de um preto crioulo chamado João de Sá Panasco; fez-lhe muytas mercês e deu-lhe o Hábito de Santiago. Assistia sempre à menza de el-rei divertindo-o com a suas galanterias, e apodava os fidalgos com grande graça”. (Conde de Sabugosa, 1923).

João de Sá, Panasco de alcunha, nasceu no Congo, mas foi “criado de moço em Portugal”, segundo se diz, como escravo de D. João de Lencastre. Mas cedo foi acarinhado na corte como uma espécie de bobo, de cujos chistes, ditos e motes o rei muito apreciava, ao ponto de o fazer seu moço fidalgo, vencendo moradia, após 1526. Dizem ainda as crónicas que João de Sá Panasco “foi muito valente homem” tendo acompanhado o Infante D. Luís, irmão de D. João III, “na jornada que fez a Tunes com o Imperador Carlos V, seu cunhado, aonde pelejou valerosamente”, no verão de 1535. De “lá trouxe uma mourisca cativa, moça muito formosa, a qual fez cá baptizar”, pondo-lhe o nome Dona Grácia; “e casou com ela, não só era este negro valente e esforçado, como mostrou em muitas ocasiões, ser muito entendido, engraçado e dizedor”; apodando “os fidalgos à mesa d’el Rei” (Cristopher Lund, 1980, pp. 115-116).

Como se vê, a popularidade e a fama de valentia chegou ao ponto do próprio irmão do Rei, o Infante D. Luís, mobilizar João de Sá Panasco para a empresa militar da tomada de Tunes ao lado do imperador Carlos V, sucesso de armas que poderá ter estado na origem da concessão do título de cavaleiro da Ordem de Santiago com 500 mil réis de renda, facto ocorrido após 1535.

Das muitas histórias que se contavam no Paço sobre Panasco veja-se esta de Fernão Cardoso, também ele um indivíduo de origem humilde, mas que se tornou conhecido na Corte pelos seus ditos repentistas e engraçados. Certo dia, na presença do rei D. João III, querendo zombar de João de Sá Panasco vestido com o traje espatário, começou a soprar-lhe no hábito ao ponto de o rei lhe perguntar o que fazia, ao que Fernão Cardoso lhe respondeu: “senhor, assopro esta brasa (a cruz vermelha da Ordem de Santiago) para que não se apague este carvão”.

Em meados do século XVI, um artista de possível origem estrangeira (flamenga?) pintou um curioso quadro de uma cena quotidiana da Lisboa ribeirinha, junto ao conhecido Chafariz d’el Rei, onde, por entra a multidão de escravos, nobres e serviçais se passeia a cavalo, bem ajaezado, um negro com o hábito da Ordem de Santiago. Deve ser, com muita probabilidade, o mesmo João de Sá Panasco, até porque foi o único negro nobilitado com semelhante estatuto. Com efeito, é perfeitamente compreensível que a um estrangeiro parecesse estranho um negro passear-se de cavalo com um hábito militar, coisa que a Europa de então não conhecia. Na verdade, a multiculturalidade observada na Lisboa do século XVI é ainda hoje uma marca distintiva dos portugueses face aos povos europeus. Tão antiga, de resto, quanto a própria história marítima de Portugal iniciada ainda nos alvores do século XV.

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João de Sá Panasco, o escravo negro que foi cavaleiro. Grada 130. A Fronteira
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“Gostava muito el-rei D. João III de um preto crioulo chamado João de Sá Panasco; fez-lhe muytas mercês e deu-lhe o Hábito de Santiago. Assistia sempre à menza de el-rei divertindo-o com a suas galanterias, e apodava os fidalgos com grande graça”. (Conde de Sabugosa, 1923).
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