El panorama musical del fado se enriquece con la llegada de ‘Fado da névoa’, un álbum compuesto por 12 temas originales de Pedro Monty y Alfonso Calvo, quienes abordan, a través de la poesía y la música, las distintas facetas de la saudade, ese sentimiento típicamente portugués que une la nostalgia, la melancolía y el anhelo.
El disco ofrece un delicado equilibrio entre la tradición fadista y una sensibilidad moderna, proponiendo nuevas sonoridades que dialogan con la herencia cultural del género.
Desde ‘Partiu com a alvorada’, que abre el álbum, hasta ‘Minha sombra dança sozinha’, que lo cierra, cada canción busca iluminar la complejidad emocional que define el fado, homenajeando la fragilidad y la belleza presentes en los sentimientos humanos.
Entre los temas destacan ‘Ruas antigas de Lisboa’ y ‘Entre dois varandins tristes’, que recrean el ambiente evocador de los barrios históricos como Alfama y el lento fluir del río Tajo. Por su parte, ‘Fui violão nas tuas mãos’ y ‘Promessa em vino’ abordan el amor desde la perspectiva del desencanto y la transformación emotiva.
El fado, declarado Patrimonio Cultural Inmaterial de la Humanidad por la Unesco en 2011, sigue expandiendo sus fronteras, y ‘Fado da névoa’ se suma a las recientes propuestas de artistas que exploran las posibilidades de este género, mezclando la tradición con nuevas influencias para captar a públicos diversos.
Este disco se presenta no solo como una obra musical, sino como una invitación a recorrer la niebla de la memoria y los sentimientos, donde el fado sirve de luz en la distancia emocional.
‘Partiu com a alborada’
Partiu com a alvorada, sem um último olhar,
deixando na janela o lenço a soluçar.
Desde então, o mar calou seu doce cantar,
só geme nas ondas, sem rumo, sem lar.
O sol não aquece como outrora aquecia,
os ventos sussurram tua melancolia.
O céu se faz cinza, perdeu a cor,
e as gaivotas choram tua falta e tua flor.
Teus passos leves, tua voz se apagou,
mas na brisa do sul teu perfume ficou.
E o lenço tremula (bandeira da dor)
na esperança que um dia retorne o amor.
‘Ruas antigas de Lisboa’
Ruas antigas de Lisboa me viram chorar,
quando teu passo calou no chão de saudade.
Ficou só o vento a tentar te lembrar,
nos azulejos pintados de eternidade.
Teu riso partiu com o último trem,
ficou no Tejo um soluço calado.
E eu, como um fado perdido também,
busco teu nome num céu desbotado.
Nos becos estreitos mora o lamento,
eco da tua voz, sombra do teu olhar.
Mesmo o tempo parou, preso ao momento
em que deixaste o amor se afogar.
Lisboa suspira no cais da memória,
com lenços ao vento e olhos no mar.
Te foste, meu bem, restou só a história
que as pedras sabem e vivem a contar.
‘Fui violão nas tuas mãos’
Fui violão nas tuas mãos,
canção no tom da tua voz,
mas o vento virou refrão,
desafinando o ‘nós’.
Toquei acordes de céu,
com dedos de puro amor,
mas veio um silêncio cruel
e calou o meu calor.
Agora toco sozinho,
sem palco, sem teu olhar,
as notas do nosso caminho
que o tempo quis apagar.
Fui melodia sentida,
serenata ao entardecer,
mas mudou o som da vida
sem sequer me dizer por quê.
‘Velas na névoa’
Uma vela solitária cruza o Tejo na neblina,
leva cartas sem destino, com saudade na retina.
O meu nome vai nas ondas, já sem porto nem farol,
como sombra que se apaga sob a névoa e o arrebol.
Foram promessas de vento, palavras de mar aberto,
num papel que o tempo guarda como um segredo incerto.
Quem leu meus versos no sal, quem ouviu meu coração,
sabe que amar é partir, e calar a solidão.
Ai, Lisboa, meu espelho, cais do que nunca chegou,
trago um fado nos meus olhos que ninguém mais escutou.
Se esta vela se perder, no silêncio ou na maré,
que ao menos reste a memória:
uma alma, uma canção, uma fé.
‘Sob o farol trêmulo’
Me juraste amor sob um farol trêmulo,
com os olhos brilhando promessa e luar.
Mas a noite, calada, guardou teu segredo,
foi a sombra quem viu você me deixar.
O vento levou teu ‘pra sempre’, tão leve,
e a saudade ficou no lugar do adeus.
Cada passo que dou, meu peito se atreve
a lembrar teu sorriso perdido nos meus.
E o farol, coitado, ainda treme sozinho,
como se sentisse meu pranto passar.
É meu cúmplice mudo, guardião do caminho,
onde um sonho caiu sem poder levantar.
Se um dia voltares, cansada da estrada,
verás que o farol ainda acende por ti.
Mas não jures mais nada, que a alma marcada
tem medo das juras que brilham… e partem dali.
‘Promessa em vino’
Bebi tua promessa como vinho novo,
Doce na taça, no olhar, no engano.
Depois, no silêncio do tempo que escorre,
Veio o amargo, sutil e tirano.
Nos becos da alma, tua voz ainda canta,
Ecoa nas vielas de um coração perdido.
Cada nota do fado que a noite levanta
Tem o gosto do amor não correspondido.
Embriaga-me o fado em cada taberna,
Entre copos gastos e sombras antigas.
Teu nome sussurra a guitarra morna,
E dançam saudades nas cordas amigas.
Ah, promessa feita em noite de brisa,
Agora és lamento no vinho servido.
És chama que arde, mas não cicatriza,
És verso calado no peito ferido.
‘Teu retrato na parede’
Teu retrato ainda pende na parede,
como ficou minha alma no dia em que partiste.
Torto, calado, me olha com sede,
de um tempo feliz que já não existe.
Às vezes, ergo com mãos delicadas,
tentando alinhar lembranças e dor,
mas ele cai, como as madrugadas
em que desaba meu velho amor.
O prego enferruja, o quadro oscila,
como meu peito, sem rumo, sem par.
E o vento da ausência sempre vacila
no mesmo lugar onde insiste em ficar.
Teu retrato… meu espelho quebrado,
de um passado que insiste em doer.
Fica torto, triste, mal colocado,
como tudo em mim desde te perder.
‘O silêncio do porto’
O silêncio do porto falou de você,
mais que mil cartas com tinta sem fé.
O vento soprava segredos no cais,
que tua boca calou, mas não se desfaz.
As gaivotas gritavam no céu sem pudor,
palavras que o medo calou no amor.
Tua ausência vestia o cheiro do mar,
um tempo perdido que vem me buscar.
As velas dormiam, o sol já partiu,
e o sonho cansado no peito caiu.
Se um dia voltares, que seja sem véu,
com olhos abertos e voz de papel.
Mas se fores brisa, se fores adeus,
o porto te guarda nos cantos dos seus.
Pois mais do que cartas, do que ilusão,
o silêncio falou direto ao meu coração.
‘Linha e saudade’
Costura minha avó sua memória em silêncio,
com linha de sonho e agulha de tempo.
Vai bordando ausências na velha almofada,
com fios de esperança em cada madrugada.
Cada ponto é um canto, um segredo calado,
um fado guardado no peito apertado.
Seu olhar se perde nas dobras do pano,
revendo um amor que ficou tão distante… humano.
No vai e vem do bastidor da vida,
ela cose lembranças já meio esquecidas.
Mas em cada nó, uma história floresce,
e o pano da alma nunca se desfalece.
Canta, ó avó, teu fado sereno,
que o bordado da vida é doce e ameno.
Tua arte é poema que o tempo não leva,
e tua esperança… é a linha que me enleva.
‘Promessa de junho’
Foste promessa num junho sereno,
céu sem nuvens, amor tão ameno.
Mas julho chegou com chuva e trovão,
e eu fiquei preso nesta solidão.
As gotas caem no meu coração,
molham saudade, viram canção.
Ainda te espero na beira do tempo,
com olhos no vento, no mesmo lamento.
Junho dizia: “vem, fica comigo”,
mas julho calou o nosso abrigo.
E mesmo afogado em tanta espera,
a chama persiste, fiel e sincera.
Chove no peito, amor, sem cessar,
teu nome a água insiste em cantar.
Promessa quebrada, doce e cruel,
ainda te sonho, meu anjo infiel.
‘Entre dois varandins tristes’
Em cada pedra de Alfama há um segredo,
histórias sussurradas pelo chão,
a minha vive, quieta, num enredo
de sombra, flor e coração.
Entre dois varandins tristes, sem cor,
vi teus olhos dizerem adeus,
ali caiu a última flor
que o tempo não levou aos céus.
Nunca mais brotou, nem na primavera,
nem nos cantares do vento do mar,
ficou no silêncio da rua sincera
um perfume a soluçar.
As guitarras choram por dentro da noite,
com vinho e lamento no tom,
e eu canto baixinho, sem ter para onde,
a saudade que em mim se pôs dom.
‘Minha sombra dança sozinha’
Minha sombra dança sozinha
sob o pranto do violão,
não há mais corpo que alinhe
seu compasso à minha mão.
Ecoa um desejo perdido
nas cordas do coração,
um sussurro esquecido
sem resposta, sem razão.
Já não há beijo no vento,
nem promessa no olhar,
só o tempo (lento lamento)
a girar, a girar, a girar…
E a lua, cúmplice calada,
vê meu passo sem par,
numa dança enluarada
que nasceu pra não ficar.
Minha sombra dança sozinha,
feito sonho que se vai,
mas no som da velha rima
a saudade sempre cai.