Já demos a conhecer nesta revista exemplos de transmigração laboral entre os dois lados da fronteira, realidade com que vimos acentuando a ideia de que as relações artísticas entre Portugal e Espanha foram uma constante ao longo do tempo, particularmente nos territórios raianos.
Desta vez trazemos o caso de um mestre carpinteiro que, em 1533, se contratou com o culto Infante D. Fernando (irmão do rei português D. João III e quarto filho de D. Manuel I e Dona Maria, filha dos Reis Católicos) para lhe fazer uma obra nas casas da fortaleza de Castelo Rodrigo situadas “à porta da traição”: três casas, uma sala e duas câmaras. Note-se que esta melhoria nos cómodos palacianos do Infante D. Fernando em Castelo Rodrigo surge na sequência do seu título nobiliárquico de Duque da Guarda e Trancoso (1530), de que, aliás, o Infante pouco haveria de gozar, pois morrerá logo depois, em novembro de 1534, com apenas 27 anos de idade.
A escolha de um mestre nos “reinos de Castela” para a fazer esta obra ficou a dever-se a Martim Teixeira, cavaleiro da casa do Infante D. Fernando, por já conhecer a qualidade do trabalho Martim de Caburado, talvez em Ciudad Rodrigo. No contrato assinado a 14 de junho de 1533, em Vila Nova de Foz Coa, nas casas de pousada de Francisco Gouveia, escrivão da fazenda do Infante, assertou-se que o mestre carpinteiro forraria as duas câmaras de madeira de castanho, com forro pela mesma altura de uma câmara chamada “d’El Rei que estava na dita fortaleza”, sendo a madeira bem limpa e lavrada.
Curiosamente, o contrato também exigiu ao carpinteiro espanhol algum trabalho extra de pedraria, o que não sendo propriamente uma novidade, constitui mais um excelente testemunho histórico da conhecida interdependência laboral dos dois ofícios. De facto, o contrato previa o derrube e substituição das altas chaminés medievais por umas de menor altura (apenas quatro palmos), telhar todas as casas igualdando os telhados com as pré-existências do castelo, bem como construir nas paredes canos de “boas telhas” para canalizar as águas pluviais para a grande cisterna castreja (ainda hoje existente; vide foto).
O contrato, detalhado ao nível da pregadura e fechos de portas e janelas, termina com uma expressão que ainda não havíamos encontrado em documentação tão antiga: a obra seria entregue “chave na mão”. Esta expressão, muito popular ainda hoje em Portugal, significa literalmente: sem outra mais preocupação para o cliente do que a de ter no final da empreitada a chave para abrir a porta.
Esta mesma expressão encontramo-la logo de seguida num outro contrato de pedraria e carpintaria, uma vez mais feito por um carpinteiro, João Luís, morador no Freixo de Numão, que se contratou a 20 de junho do mesmo ano para fazer “certas obras” ao dito Infante D. Fernando, desta vez no seu castelo de Numão e na Igreja e tulhas do lugar de Freixo (de Numão). Ambos os contratos estão no Arquivo Nacional Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 138, doc. 105.