José Alberto Parraça & Pedro Toscano
No Alentejo e na vizinha Extremadura espanhola, persiste uma crença cultural que atravessa gerações: a de que “ser gordo é ser saudável”. Não é raro ouvirmos comentários de admiração como “Olha que bem constituído que ele está, parece um touro!”, ou elogios a uma criança mais rechonchuda como sinal de vitalidade e boa alimentação. Pelo contrário, quando alguém apresenta uma constituição mais magra ou ectomorfa, é comum ouvir-se a associação imediata a doença, fraqueza ou até pobreza.
Esta visão, apesar de hoje parecer ultrapassada, tem raízes profundas. Durante séculos, quer no Alentejo, quer na Extremadura, a vida foi marcada pela dureza do trabalho agrícola e por longos períodos a comida era limitada e o esforço físico uma constante. Nesse contexto, um corpo mais volumoso representava fartura, acesso a alimentos, prosperidade e força para enfrentar o dia a dia. Ser robusto era sinónimo de resistência, enquanto a magreza era vista como reflexo de dificuldades, de falta de sustento ou mesmo de doença.
O problema é que esta associação cultural, tão enraizada, já não corresponde à realidade atual. Se, outrora, gordura podia significar energia acumulada para resistir a períodos de privação, hoje representa, na maioria dos casos, um excesso perigoso que compromete a saúde. A ciência demonstrou de forma inequívoca que a obesidade é um dos principais fatores de risco para doenças crónicas e incapacitantes. Diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias, doenças cardiovasculares e até alguns tipos de cancro estão diretamente relacionados com o excesso de peso.
Neste sentido, longe de traduzir vitalidade, a obesidade é frequentemente a porta de entrada para um conjunto de patologias que reduzem drasticamente a qualidade de vida, a autonomia e até a esperança de vida. É certo que existem pessoas com mais peso que apresentam exames dentro da normalidade, mas, em termos populacionais, a evidência é clara: quanto maior o excesso de gordura corporal, maior a probabilidade de desenvolver doenças metabólicas.
Por outro lado, importa reabilitar a imagem da magreza saudável. Ter um peso normativo, dentro dos parâmetros recomendados, tantas vezes desvalorizado culturalmente, é na realidade reflexo de equilíbrio e de saúde. Um corpo magro ou normoponderal não é, por definição, um corpo frágil ou doente; pelo contrário, é geralmente um organismo que funciona de forma eficiente: boa capacidade respiratória, força ajustada, mobilidade preservada, ausência de inflamação crónica e um metabolismo regulado.
Claro que a saúde não se mede apenas na balança. O peso é apenas um indicador entre muitos outros. Há pessoas magras com estilos de vida pouco saudáveis, assim como pessoas com excesso de peso que praticam atividade física regularmente. Mas se pensarmos em termos de risco global e de prevenção de doenças, a evidência é incontornável e manter um peso adequado é um dos pilares fundamentais da saúde ao longo da vida.
O desafio que se coloca no Alentejo e na Extremadura é, por isso, cultural. É necessário desconstruir esta ideia antiga de que “quanto mais gordo, mais saudável” e substituí-la por uma cultura de equilíbrio. Não se trata de impor padrões estéticos, mas sim de promover literacia em saúde. É fundamental educar para que a verdadeira robustez não seja confundida com excesso de gordura, mas sim com bem-estar físico, mental e social.
Neste processo, a alimentação equilibrada e a prática regular de atividade física assumem um papel central. Não é necessário recorrer a soluções extremas ou modas passageiras, basta apenas privilegiar a dieta mediterrânica, tão característica destas regiões, rica em hortícolas, leguminosas e azeite, e valorizar a prática de exercício físico regular, seja em ginásios, seja em espaços comunitários ou simplesmente caminhando nos campos e nas vilas que caracterizam estas terras do interior.
O Alentejo e a Extremadura, terras de tradição e identidade fortes, podem também ser exemplo de mudança cultural. Tal como as duas regiões se têm vindo a reinventar em tantas áreas como é o exemplo do turismo, do património, da agricultura e cada vez mais da inovação tecnológica, assim, também na saúde é possível construir um novo paradigma. Um paradigma onde ser saudável não é sinónimo de ser gordo, mas de viver em harmonia com o corpo, respeitando os limites naturais e prevenindo a doença antes que ela apareça.
A saúde não se mede pelo tamanho da roupa nem pelo volume corporal. Mede-se pelo funcionamento harmonioso do organismo, pela energia disponível para o quotidiano e pela ausência de fatores de risco que encurtam a vida. O futuro da saúde no Alentejo e na Extremadura passa por esta mudança cultural. Só assim será possível transformar a antiga crença em fartura numa nova realidade de equilíbrio, longevidade e bem-estar.