A raia hispano-portuguesa, sobretudo a da margem esquerda do Guadiana, foi sendo objeto de “divisões e discórdias” pontuais desde o tratado de Alcanises (Alcañices) (1297). Dúvidas, imprecisões territoriais e devassas de parte a parte por causa dos pastoreios dos gados, obrigaram a que em 1542 os reinos de Portugal e Espanha selassem um acordo fronteiriço ao longo dos concelhos de Arronches e Moura, fixando geograficamente o limite da raia (através de “marcos e malhões”) e regulando os procedimentos aduaneiros em casos futuros de infração e devassa. Encarregues dessa melindrosa negociação dois diplomatas de carreira: D. Pedro de Mascarenhas por parte de D. João III, e D. Afonso Fajardo por parte de Carlos V. O primeiro, fidalgo da casa do rei e embaixador português na Santa Sé (1538-40); o segundo, homem de confiança política do Imperador, comendador da vila da Moratalha e senhor das Baronias de Pelope e Venidorme.
Tão importante foi esta negociação que o Cardeal-Infante D. Henrique, recém-empossado na cátedra arquiepiscopal de Évora (1540) se deslocou pessoalmente àquele território fronteiriço em setembro de 1542.
No contexto destas negociações bilaterais, D. Pedro de Mascarenhas, estando a 14 de agosto de 1542 na aldeia de Santo Aleixo (da Restauração), informa o Infante D. Luís (irmão de D. João III) do seguinte: “Aos vii (7 dias) do presente com acordo de dom Afonso Fajardo e meu nos fomos uer a primeira uez em huma irmida que se chama de nossa senhora das frores no termo d’anzina solla mea legoa d’aldea dos barancos termo de noudar e tudo o que anbos pasamos s’creueo mui largo ao Infante (D. Luis)”. (Arquivo Nacional Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 70, n.º 59).
É curiosa a referência ao santuário mariano da Virgem das Flores de Encinasola, ainda hoje local afamado de devoção popular, sobretudo por ocasião da romaria da Páscoa que desde 1585 há notícia de se realizar por uma ‘hermandade’.
Claro está que o acordo estabelecido em 1542 nunca impediu pequenas desavenças locais nos séculos subsequentes, mormente em tempo de guerra. Precisamente 100 anos depois (1642), estando os dois reinos ibéricos em guerra declarada na sequência da ‘restauração portuguesa’, já os habitantes de Encinasola agradeciam à sua Virgem das Flores por os ter livre de uma “manada de malhechores y rebeldes portugueses” que haviam roubado “todas las vacadas y otros efectos que aquí se encontraban”, correndo com eles até à fronteira portuguesa.
Mais se aclara numa Acta Capitular del Archivo Municipal de Encinasola, comunicada por Tomás Lopez, que depois de cruzarem a ribeira da Murtiga atrás dos portugueses, os habitantes de Encinasola recuperaram as vacas, não sem ajuda divina da Virgem das Flores, pois que o caudal da ribeira foi nesse instante tão torrencial (sendo então o tempo seco) que impediu “el paso de los portugueses” para a alegria “de los vecinos de aquí”. “Para dar gracias a la Virgen de Flores que se venera en lugar próximo al suceso, los vecinos deciden proclamarla Patrona de la Villa”.
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