Apesar de português, Manuel Faria e Sousa (1590-1649), “um dos homens mais eruditos do seu século”, escreveu toda sua vasta obra em língua castelhana, uma vez que passou boa parte da sua vida ao serviço da Coroa espanhola.
É justamente da obra ‘Epitome de las Historias Portuguesas’ que respigamos algumas notas curiosas, aqui reproduzidas diretamente da edição castelhana de 1628:
“Los requesones, las natas, i quesos, quien no desea los de Alentejo?” (p. 652); “Los Pescados. Portugal no es outra cosa que mar i rios, elemento dellos, i ellos tantos i tan vários, que fuera prolixo trabajo referirlos todos, algunos Sollos, Salmones, Sabalos, Lãpreas, Taiñas, Corvinas i Caçones, Truchas, Rellos, Lenguados i Azevias. Un Sollo se tomó en el Tajo en tiempo del Rei don Dionis, que por cosa monstrosa permanece pintado en el Archivo Real de Lisboa: diez i siete arrobas era el peso, i Portuguesas, que excedem de las Castelhanas siete libras cada una: assi outro en los dias de don Iuan el Tercero” (p. 613); “de entre las arenas del tajo salio el oro com que el Rei don Dionis hizo labrar una coroa i cetro, joyas preciosas de los Reyes Portugueses; outro cetro el Rei don Iuan el III” (pp. 654-655); “Las Cianeas, piedras verdes no menos excelentes que las Esmeraldas se hallam en grãde copia media legua de Borba en Alentejo. Los montes de Estremoz llenos estan de marmoles blancos, otros variados de colores, i todos maravillosos, i matéria a la mais humilde fabrica de toda a comarca: com esta se engrandecieron siempre los edifícios a que llaman los hombres maravillas del mundo. El rei don Felipe el Prudente mucha hizo traer a san Lorenço (Escorial)” (p. 655); “Entre com esta espécie la labor e los barros tan nõnbrados de Portugal, adõnde son mas preciados para beber los de Lisboa i Mõntemor; para ver los de Aveiro e Estremoz, los primeiros por el odor, por las labores los segundos” (p. 656); “Fue grã cosa por cierto, que en el portal de belem apareciesen tres Reyes de Oriente com dones nuevos oferecidos al Hijo del Autor del mundo. Sea grande, que por la puerta del Belen de Portugal, fabrica insigne del Autor de las flotas de la India el Rei don Manuel entrã cada dia tributos de vários Reyes del mismo Oriente” (id.).
Noutra obra do autor, ‘Europa Portuguesa’ (Tomo III, Parte III, Cap. XI, Lisboa, 1680, p. 210), se colhe outro dado curioso sobre a abertura do túmulo da Rainha Santa Isabel no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, sucesso acontecido em 1612: “a los 276 años de su transito (a Rainha Santa Isabel morreu em 4 de julho de 1336) fue hallada como si uviera falecido aquel dia. Entonces facó su retrato que oy corre por el mundo Simon Rodrigues, Pintor de fama en aquel Reyno (de Portugal)”.
É um dado importante saber-se que foi Simão Rodrigues (Alcácer do Sal, c. 1555 – Lisboa, 1629), já então ‘pintor de fama’, quem retratou o corpo alegadamente incorrupto de Santa Isabel, em 1612, justamente numa altura em que o artista se documenta em Coimbra a pintar os retábulos de Santa Cruz (c. 1611) e da Capela da Universidade (1612-13). É, de resto, muito provável que esse desenho perdido seja a base da conhecida gravura a buril aberta em Antuérpia, em 1621, por Cornelis Galle o Velho (1576-1650) que fixou pela cristandade durante muito tempo a efígie da Rainha Santa Isabel.