Logo revista Grada
Buscar

O casamento em Estremoz de Dona Catarina de Áustria com D. João III (9-2-1525)

O casamento em Estremoz de Dona Catarina de Áustria com D. João III (9-2-1525)
Catarina de Austria
Léeme en 5 minutos

Se nos recordarmos das palavras escritas de Garcia de Resende na sua ‘Miscelânea’ (c. 1534), parece claro o local onde se realizou o casamento de Dona Catarina de Áustria com o rei D. João III: “Em Estremoz se juntaram, // as vodas i celebraram”.

Não obstante a credibilidade deste testemunho, o certo é que os cronistas tércio-joaninos Francisco de Andrada e Frei Luís de Sousa popularizaram outra versão, a de que a cerimónia religiosa se realizou na vila do Crato, tal como havia acontecido poucos anos antes (1518) com o 3º casamento de D. Manuel I com Dona Leonor de Áustria.

Hoje, no entanto, o assunto está definitivamente resolvido graças ao contributo de Ana Isabel Buesco, que no boletim de cultura ‘A Cidade de Évora’ (Nº. 8, 2009, pp. 349-370) deu a conhecer uma carta inédita de um participante dos acontecimentos. Com este novo dado a investigadora clarificou definitivamente o local do matrimónio do casal real como sendo o de Estremoz, sem, contudo, precisar o dia da cerimónia religiosa.

Ficando este dado por esclarecer, aqui fica o nosso pequeno contributo para essa questão em aberto: demonstrar que esse momento festivo coincidiu com o dia 9 de fevereiro de 1525, uma quinta-feira, dia consagrado a Santa Apolónia, que, tal como Catarina, foi virgem-mártire do cristianismo muito estimada no século XVI.

Dúvidas houvesse sobre a data do dia 9, o facto de a carta publicada por Buesco estar datada do dia 11 de fevereiro de 1527 (sic), evidente erro do redator (ou do copista), constitui o melhor sinal de que o texto foi finalizado logo após o casamento. De resto, o simples facto de o anónimo autor da carta se dirigir à destinatária (Dona Leonor, a ‘Rainha Velha’) dizendo-lhe que viajará “com El Rei até Évora, para daí partir com o mais que me fica por dizer” (Buesco, ob. cit, p. 368), e sabendo-se que a Rainha já despacha da capital alentejana a 15 desse mês, este encontro de datas torna bastante plausível a sequência temporal aqui defendida.

Compreende-se, no entanto, a hesitação no apuramento da data precisa do casamento do casal real, pois não é claro no cotejo dos diferentes cronistas o dia preciso em que a jovem rainha de Portugal é recebida no Caia e, consequentemente, qual o desenvolvimento temporal da jornada até Estremoz. Contudo, relendo com atenção a carta anónima publicada em 2009, a sequência diária dessa jornada aí relatada parece-nos suficientemente esclarecedora. Vejamo-la sucintamente.

Dona Catarina, vinda de Tordesilhas, já se encontra em Badajoz desde final de janeiro, de onde despacha assuntos de sua casa, assinado um expressivo “la Reyna” (título que usava juridicamente desde julho de 1524). O anónimo relator da carta enviada a Dona Leonor escreve que esteve seis dias em Badajoz com a Rainha, possivelmente entre os dias 1 e 7 de fevereiro, e que “o dia em que [a Rainha] chegou [a Portugal, isto é, ao Caia] foi uma terça-feira sete dias deste mês de fevereiro” [de 1525] (Buesco, ob. cit. p. 365). Nesse dia, que “não se mostrou contente, porque até à noite andou encoberto”, a rainha Dona Catarina entrou em Elvas, mas “tão grave, cinzenta, que praguejam já dela” (idem, p. 367). Esta sisudez talvez seja a razão próxima porque “ao outro dia que era quinta-feira (sic) [na verdade quarta-feira, dia 8 de fevereiro] se partiu a Rainha [para Estremoz] porque não quis mais aguardar” (ibidem).

Nessa mesma quarta-feira, já “se cerrando a noite”, a comitiva entrava em Estremoz com o aparato festivo próprio de tais recebimentos: “duas mil tochas acesas e os muros todos ardiam com luminárias em cada ameia seu fogo, e charamelas, trombetas e atabales, eram tantos que se não ouvia ninguém, tudo soada festa e alvoroço de gente e do tempo” (idem).

“No outro dia pela manhã [quinta-feira, dia 9] foi El Rei com a Rainha, e todos esses senhores e fidalgos ouvir missa a S. Francisco” (idem). Embora o anónimo relator o omita, a descrição que faz do rei e da rainha: ele montado em “uma mula guarnecida de pedraria, e ouro”, ela “em uma faca branca guarnecida de brocado, com um brial de brocado adamascado, e bordado de perola” (idem, p. 368); só pode estar relacionada com o dia em que “se El Rei casou” (ibidem). Tanto mais que a descrição seguinte é bem sugestiva quanto ao que se passou logo após o jantar do dia do casamento: “El Rei o dia que recebeu [por esposa] a Rainha teve serão e não durou muito nem curou de ver os touros que lhe correu a vila, se não deitou-se logo, e levantou-se sexta-feira [dia 10] às dez horas e depois de ser levantado foi ouvir missa a uma igreja de Nossa Senhora [provavelmente a dos Mártires, pois se fosse a igreja-matriz de Nossa Senhora do Castelo talvez o redator o referisse explicitamente], (…) “e a Rainha não apareceu o dia todo” (idem). A razão da ausência de Dona Catarina está convenientemente explicada logo na frase seguinte: “El Rei tanto que acabou o jantar [do dia da boda] foi-se logo para a Rainha, e esteve despejado com ela” (idem).

Não é, pois, simples acaso que o relato circunstanciado da jornada portuguesa de Dona Catarina feito pelo anónimo criado de Dona Leonor finalize na noite de núpcias dos monarcas. Afinal, enlace há muito aguardado pelos noivos (desde a assinatura das cláusulas matrimoniais, momento ocorrido em Évora a 26 de julho de 1524, simbolicamente coincidente com a festa de Sant’Ana e São Joaquim). Até porque desta esperada e muito celebrada união sucederia a “muita prosperidade deste Reino e descanso de Suas Alteza” (idem).

Aclarado o dia do matrimónio de D. João III com Dona Catarina de Áustria, irmã do imperador Carlos V, sucesso ocorrido a 9 de fevereiro de 1525 na igreja de São Francisco de Estremoz, vale a pena sublinhar como importaria não deixar escapar a celebração do 5º centenário desta efeméride. Não pela importância de “recriar” o momento áulico em si mesmo. Mas porque se trata de uma efeméride da mais alta importância cultural, política e diplomática para as relações históricas dos dois países ibéricos. Sem esquecer que se trata de um dos momentos-chave onde melhor se pode compreender e situar a génese do Renascimento português, que não deixando de seguir a corrente internacionalizada do Renascimento italiano, reforça neste casamento um dos traços culturais mais vincados da corte portuguesa à entrada da Época Moderna, a sua identidade bilingue.

ENTRADAS RELACIONADAS

Hace no mucho descubrí en un grupo de Facebook sobre genealogía extremeña a una persona de origen cubano que decía...
Vamos con otra de esas historias de miedo, del fin del mundo, de “dios mío, ¿Qué me voy a beber,...
Las llamadas al respeto y a la igualdad son continuas en todos los estadios. ‘Respect’ (en castellano, respeto), la canción...
A mediados de marzo subí a la Torre Lucía para dar la bienvenida a la primavera y, de paso, pensar...
Colaboración de Jairo Jiménez con una nueva viñeta de temática social para la revista Grada 188, de abril de 2024....
Ya en la Edad Media se daba gran importancia a la música, no solo como simple entretenimiento y medio para...

LO MÁS LEÍDO