Querendo aqui homenagear Luís Limpo fazendo jus ao seu belo livro ‘Ajuda. Último ponte-fortaleza de Europa’ (2012), recupero uma pouco conhecida nota documental sobre o restauro da velha ponte do Guadiana, projeto de origem manuelina que se deve ao mestre pedreiro de Évora Martim Lourenço.
No referido livro, Luís Limpo deu-nos a conhecer a ruína da ponte oliventina na sequência das cheias do Guadiana no inverno de 1594-95, a que se sucedeu outra não menos calamitosa invernia na noite de 20 para 21 de dezembro de 1603. Citando achegas documentais de Matos Sequeira, Vitorino de Almada e Ledesma Abrantes, sabe-se que a corte filipina, desde Madrid, fez de imediato avançar recursos técnicos para se inteirar dos prejuízos e avaliar os custos da reedificação. Como era hábito, tais custos foram substancialmente pagos na forma de ‘fintas’, aplicadas aos povos circunvizinhos (Elvas e Olivença), bem como a quem interessava, à distância, a operacionalidade da ponte, as comarcas de Évora, Beja, Portalegre, Tomar e Santarém. Também como era comum, a obra arrastou-se no tempo à medida da disponibilidade financeira; ainda em 1613 os trabalhos continuavam.
A esta informação de Luís Limpo junta-se a preciosa informação que Patrícia Monteiro recenseou no cartório de Elvas no âmbito do seu doutoramento, ‘A pintura mural no Norte Alentejo (séculos XVI a XVIII): núcleos temáticos da serra de S. Mamede’ (2013), dando a conhecer três contratos notariais, lavrados em junho de 1607, pelos quais se intui a urgência na conclusão da obra nesse verão.
Deste modo, sabemos que pelo menos três mestres pedreiros estavam envolvidos na obra, feita, também como era hábito, em subempreitadas: Diogo Martins, referido como “mestre das obras de pedreyro morador na villa de arayolos”; Belchior Lopes; e Diogo Rodrigues, o “mestre da ponte de Olivença”. Este último tinha por obrigação dar a obra concluída até ao final de agosto desse ano, “conforme os apontamentos e traça de Pero Vaz (Pereira), arquiteto do duque de Bragança” (Monteiro, 2013, Vol. II). Este Diogo Rodrigues deve ser o mesmo que Miguel Soromenho apurou nas obras filipinas do Paço da Ribeira, em Lisboa, no ano de 1582. Já o pedreiro Diogo Martins não deve ser o homónimo que, em 1594 se encarrega da reforma da igreja de São Manços (Évora), segundo a traça de Pero Vaz Pereira, dado que Vitor Serrão encontrou o seu registo de óbito (1597) no fundo da Misericórdia de Évora. O facto de ser natural de Arraiolos é ainda razão para se considerar tratar-se de um desconhecido mestre que vale bem a pena seguir nas obras desta bela vila alentejana.
Quem não precisa de mais apresentação é o portalegrense Pero Vaz Pereira, escultor-arquiteto de formação italiana. Ao serviço da Casa Ducal de Bragança desde 1604 deu continuidade às obras palatinas de Vila Viçosa, segundo a traça de Nicolau de Frias, como apurou há muito Vitor Serrão. Ligado às obras da Sé de Elvas desde 1602 e à finalização da demorada obra do Aqueduto da Amoreira, não é estranho, pois, que surja em 1607 como tracista responsável pela reconstrução da Ponte da Ajuda, sinal do seu estatuto técnico-artístico e exemplo mais da versatilidade técnica dos nossos melhores arquitetos à entrada da Época Moderna.