“Tem o duque [de Bragança] nos seus estados grandes bancos de mármores alvíssimos, de veios amarellos, e doutras espécies, muitos e excelentes”.1
É assim que Giovanni Battista Venturino da Fabriano, secretário do legado pontifício Miguel Bonelli, Cardeal Alexandrino (1541-1598), comenta a qualidade dos mármores de Estremoz-Vila Viçosa, em novembro de 1571.
A descrição, ainda que sucinta, refere-se naturalmente às pedreiras de mármore que já por esse tempo marcavam a paisagem da região. De partida para Estremoz, o cronista volta a referi-las sem mais outra observação: “Ao redor da villa (de Borba) ha montes de pedra marmore com veios vermelhos, a qual serve para edifícios”.2
O comentário deste cronista italiano mostra como a “pedra branca de Estremoz”, assim chamada genericamente no século XVI, foi usada como matéria nobre na arquitetura e na escultura da região ao longo do tempo desde a Antiguidade.
E não só na região limítrofe. Na verdade, o território que fez uso do mármore do anticlinal de Estremoz transcende largamente as fronteiras do Alentejo e até da Extremadura espanhola, atingindo o interior da Península Ibérica, em pontos tão diversos como Toledo e Cuenca.3
Não é de surpreender, pois, a “presença massiva” da “pedra branca de Estremoz” na monumentalidade de Emerita Augusta, capital provincial da Lusitânia, em espaços públicos como o teatro ou o fórum, bem como na maioria dos retratos escultóricos e corpos estatuários reunidas no atual Museu de Arte Romano de Mérida.4
Note-se ainda que o mármore, ele próprio, é sinónimo de romanidade, dado que através dele se propagou a ideologia romana, em particular na época imperial. Veja-se o caso de Évora, a antiga Ebora Liberalitas lulia, que reservou ao mármore a sua melhor realização plástica (os capitéis do templo), bem como o lajeamento integral do fórum, dois sinais convincentes da expressão monumental da cidade e do estatuto das suas elites.
Além das obras escultóricas romanas de Mérida e de Évora, que mostram exemplarmente como o uso do mármore foi um fator de prestígio e um ideal de beleza, recorde-se que a exploração do mármore com propósitos escultóricos e arquitetónicos não se restringiu ao período romano.
Durante a Idade Média o mármore estremocense continuou a ser usado em obras de maior apuro e identidade devocional, nomeadamente em muitos monumentos funerários. Destes, destaque para os túmulos quatrocentistas de Vasco Esteves de Gatus na igreja de São Francisco de Estremoz e de Fernão Gonçalves Cogominho, hoje no Museu nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.
Nesta cidade, e já numa dimensão estritamente escultórica, também importa destacar o apostolado do portal principal da catedral, obra maior da escultura gótica portuguesa.
Todavia, o caso mais excecional do uso do mármore numa dimensão estritamente arquitetónica é a torre de menagem do castelo de Estremoz. Principiada a construir durante o longo reinado de D. Dinis (1279-1325), a sua antiguidade, imponência (c. de 27 m de altura), estado de conservação e sobretudo o facto de estar integralmente construída em mármore fazem dela um edifício militar único em todo o espaço peninsular e até europeu (foto).
Este pequeno mostruário do uso artístico da “pedra branca de Estremoz” ao longo dos séculos, constituindo ele mesmo um importante património identitário do Alentejo e da Extremadura, mostra como as relações transfronteiriças se ligam por laços históricos muito diversos e muitas vezes inesperados. Na verdade, o mármore, como recurso patrimonial, é hoje um fator indispensável à diferenciação do turismo cultural e, consequentemente, à sustentabilidade social e económica destes dois nossos territórios de um lado e outro da fronteira.