Malgrado a generalização do ano de 1570 para o início da obra da igreja paroquial de Nossa Senhora da Expectação, matriz de Campo Maior, nenhum documento autoriza a defesa de data tão recuada. Bastará, aliás, atender à circunstanciada descrição feita pelo padre Tomé Mendes, nas ‘memórias paroquiais’ de 1758, para se apurar que esta igreja “teve o seu principio no anno de 1610”.
Os dados documentais que aqui revelamos também parecem corroborar esta cronologia mais tardia. Pese embora a maior certeza sobre este enquadramento temporal, sabemos agora que no final de 1584 a traça desta igreja já estava feita.
Sabê-lo com este rigor não é coisa pouca: a traça, como base fundamental das decisões técnicas, administrativas e financeiras da fábrica da obra, é a peça-chave de que carecia o estudo arquitetónico deste templo à luz da História da Arte. Não sendo aqui o lugar para essa análise, importa revelar e comentar esse documento fundador.
Com efeito, da leitura de um alvará de D. Filipe II (I de Portugal), de 12 de dezembro de 1584, não só se desfaz, finalmente, o equívoco da data de 1570, como resulta uma maior clareza documental sobre o significado artístico desta igreja no contexto da arquitetura chã que por esse tempo domina a construção religiosa portuguesa. Tal como sucede na maioria dos casos, a construção da matriz de Campo Maior resulta de uma necessidade prática combinada com a emergência dos novos preceitos tridentinos, num tempo em que a própria arquitetura do espaço sagrado é, simultaneamente, espelho da virtude religiosa da comunidade e símbolo maior da sua realização coletiva.
Pelo que agora ficamos a saber, o projeto de uma nova igreja paroquial, com capacidade para quintuplicar o número de fiéis no interior das suas três naves, foi assunto discutido pela primeira vez nas Cortes de Tomar de 1581.
Desde então, e por encargo do próprio rei, o bispo de Elvas ficou com a responsabilidade de negociar com as autoridades campomaiorenses os termos do financiamento partilhado dos custos da obra, as necessárias diligências administrativas e logísticas, bem como a localização mais adequada à construção de raiz do novo templo.
Esses autos de consulta e decisão não sobreviveram, mas tais diligências são recordadas no alvará régio de 1584. A saber: a igreja deveria ser construída no centro urbano da vila, havendo necessidade para melhor serventia da obra derrubar a Casa da Misericórdia, que era estrutura pequena e não tinha mais do que a sacristia; o local escolhido, ainda que implicando também a demolição da casa sobradada de André Afonso e mais dez moradas de casas de pouco valor, tinha a vantagem de ter poços de água necessários à obra; a área total de construção, cerca de 980 metros quadrados, distribuía-se por 68 côvados de comprimento e 48 côvados de largura, o suficiente para nele caber uma imponente igreja de três naves, coro e sacristia; o montante da obra de pedraria e carpintaria foi calculado por oficiais experientes em 7.500 cruzados, tendo por base a “Architectura e declaraçam do debuxo”.
Feita a traça, decidido o espaço de implantação e as respetivas condicionantes, contratualizada a responsabilidade das partes envolvidas e a forma de gerir a fábrica da obra, o maior óbice à persecução da empreitada passou a ser, como de costume, a boa arrecadação dos recursos financeiros. A finta no valor de 100 mil reais pedida aos moradores da vila e seu termo, calculado segundos os rendimentos pro rata pelo espaço de dez anos, mostrou-se tarefa difícil de executar.
Em 1589, com a obra ainda parada e dadas as dificuldades financeiras na arrecadação das sisas da vila, o rei fazia merce ao povo de Campo Maior “de aleuiar da fimta que deles se fazia” por mais cinco anos.
Tudo leva a crer, pois, que a edificação da igreja foi sendo adiada por falta de verba, ao ponto de “ter o seu princípio (apenas) no ano de 1610”, razão para se não estranhar que a empreitada demorasse mais de três décadas a concluir (1645).
Da autoria da traça da igreja campomaiorense e dos mestres que a tomaram de empreitada nada apurámos, nem esse é o tema que aqui nos ocupa. Mas vale a pena sublinhar o caráter erudito do projeto, talvez provindo da esfera régia, e entregue, provavelmente, a um bom oficial de pedraria da região, como era o caso do architecto André de Arenas, o mestre de Santa Maria de Olivença, falecido no ano da sagração deste templo (1627).
Eis o mais significativo da fachada da matriz de Campo Maior: duas torres sineiras flanqueadas e em andares como na Sé de Portalegre, porém, correndo à face da fachada; coro-alto fenestrado por três janelas de frontões alternados, conforme aos gravados serlianos; nártex aberto em arco muito abatido com portado recuado, lembrando o modelo da vizinha sé de Elvas e originalmente o da Madalena de Olivença; e balaustrada em mármore de Estremoz, obra tardia, feita certamente por mestres canteiros desta cidade.