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José Cornide e o Alentejo (I). Grada 174. Francisco Bilou

José Cornide e o Alentejo (I). Grada 174. Francisco Bilou
Foto: Cedida
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José Cornide (1734-1803), “viajero ilustrado y espía”, assim resumem Juan Manuel Abascal e Rosario Cebrián a importante obra arqueológica, epigráfica e corográfica deste ilustre galego, dada à estampa em 2009 com o título ‘Los viajes de José Cornide por España y Portugal de 1754 a 1801’ (Real Academia de la Historia).

De particular importância para a história do Alentejo a viagem feita por Cornide a esta província portuguesa no Outono de 1799. Dela resultou um melhor conhecimento, sobretudo arqueológico e epigráfico, das antiguidades de Évora, Vila Viçosa, Terena e Santana do Campo (Arraiolos), base de trabalho que os autores portugueses usam com frequência.

Importa notar que Cornide é o primeiro a medir e a representar corretamente o templo romano e o Aqueduto da capital alentejana. Todavia, pequenas notas sobre outras povoações alentejanas continuam pouco o nada conhecidas, mas que são fundamentais para melhor lhes caracterizar a identidade histórica.

Dedicaremos por isso alguns textos nesta revista a lugares secundários referidos por Cornide, começando justamente por um dos mais antigos, S. Miguel de Machede. Desta antiga vila do concelho de Évora aqui fica a sumula que nos serviu de base à conferência que aí proferimos a 22 de novembro de 2022, na qual demos a conhecer à comunidade local o texto do ilustre viajante espanhol.

Se atendermos à carta arqueológica do concelho de Évora é notório um aumento substancial da ocupação humana entre Pré-História e a época romana no atual território de S. Miguel de Machede. Ainda assim são várias as antas que substituem na região, como as da Tourinha, do Pau (Trambolho, como se chamava antigamente), do Monte Branco, da Barrosinha, das Lages, do Monte Seixinho, dos Tições, do Zambujalinho ou do Monte dos Ciprestes.

Todavia, é com a romanização que os melhores solos agrícolas são ocupados, como dão testemunho as villae das Courelas da Toura, da Morgada e da recém-descoberta (embora já notada) villa do Seixinho, atravessada pela linha ferroviária em construção.

Foram, no entanto, as vias de comunicação o garante da importância estratégica, no aro norte de Évora, de S. Miguel de Machede. Coincidente com uma das vias romanas direcionadas à capital provincial (Augusta Emerita, Mérida), a ventura histórica do pequeno lugar resultou da localização de uma estrutura religiosa ou ‘lugar santo’ (Madchas), como dizem as crónicas antigas, onde, aliás, se associa o túmulo do suposto Bispo de Évora Juliano, falecido no ano de 566 da nossa Era.

Diz-nos o padre Martinho da Costa Carvalho, nas suas Memórias Paroquiais de 1758, que “no adro desta Paróquia defronte da porta principal, a pouca distância, se achava no remate de um pilar de pedra mármore a imagem de Cristo Senhor Nosso em uma cruz da mesma pedra (…) com a qual tomarão tanta fé os moradores desta aldeia na ocasião do terramoto (de 1755…) que, concorrendo todos com as suas esmolas, se lhe fez um nicho à roda ao modo de capelinha mas sem altar, aonde e ainda sobre o mesmo pilar se conserva com grande veneração das gentes que pelo sobredito motivo lhe deram o título do Senhor dos Aflitos”.

Estas notícias históricas sublinham o mais característico da vila (assim nomeada desde 1923): a importância da igreja matriz e do seu adro onde cedo de conformou o atual Largo da República. Trata-se, sem dúvida, do principal espaço sócio religioso que acompanha a longa história da povoação. E não admira que assim seja. Para todos os efeitos a igreja paroquial está ligada aos principais momentos da vida: batismo, crisma, casamento, doença e morte; mas também às festas e romarias, ao pagamento de promessas e às grandes decisões comunitárias.

A igreja, historicamente, é mais do que o lugar de eucaristia e catequese. Os registos paroquiais, por exemplo, muito completos desde 1565, dão-nos um retrato social único ao longo de quatro séculos, onde dominam as famílias Coelho, Ramalho, Rosado, Pires, Piteira, Varela, Soure e até os Arruda, como Isabel e Ana de Arruda, talvez familiares diretos do mais destacado arquiteto português do século XVI, Miguel de Arruda. Num tempo em que muitos eram conhecidos por alcunhas (Carrepiseco, Cavalinho, Tição, Bácoro, Boubelas, Ganhoteiro…), e os santos de maior devoção, além de S. Miguel Arcanjo, eram Santo António, São Gregório, São Bento, São João Baptista, São Romão e Santo amaro, este bom advogado nos problemas de ossos, os frutos da terra eram então os “trigos, centeios e cevadas, além de melões e melancias”, como nos informam as citadas memórias paroquiais.

Quando o viageiro e erudito espanhol (e diz-se que espião) José Cornide pernoitou em S. Miguel de Machede, em novembro de 1799, e depois de assistir à missa dominical, viu “todas as pessoas dos montes vizinhos cujas mulheres, cavalgando nos seus burritos, mostravam no seu asseio e limpeza quanto nela influi o exercício da diligência”. E os comentários de Cornide a S. Miguel de Machede continuam em tom prazenteiro: depois de elogiar a estalagem onde ficou como “farta e boa para o que são as deste país”, remata escrevendo que “São Miguel [de Machede] é igualmente povoação asseada e, ademais dos seus frutos de trigo, azeitona e vinho, empregam-se os seus vizinhos no labor e fabrico de panos do país, chamados Saragoças, e alguns picotes [antigo casaco masculino]”.

Embora todas estas notícias sejam preciosas, o mais importante na história e património desta antiga vila são as suas gentes. Na verdade, elas são indispensáveis à construção, preservação e fruição da identidade do lugar. Ao longo dos séculos aqui lembrados, pessoas sem conhecimento, formação ou meios souberam trazer a até nós esse legado de cultura e saber. E como seria importante hoje, com conhecimento, com formação e com meios, continuar esse trabalho de memória e afeto.

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